15.4.06

Armas, Falcão, responsabilidade

Amigos do aerolitos

Depois de um semestre um tanto conturbado, volto a escrever neste blog.

Assisti nas últimas semanas o tão comentado documentário (e excelente) "falcão, os meninos do tráfico", produzido pelo rapper carioca MVBill. Depois do documentário, a Globo chamou alguns "especialistas" para comentar a situação daquelas crianças e falaram o que se podia esperar de comentaristas do fantástico: "culpa do Estado", "culpa da sociedade egoísta", etc, etc. Assim, sempre parece que a culpa é de uma pessoa familiar mas irreconhecível e estranhamente distante da gente.

Dias depois, vi o filme "O Senhor das Armas", de Nicolas Cage, que traz uma discussão interessante sobre o tráfico internacional de armas, sobre como ele é tolerado pelas grandes potências e qual seu impacto na vida dos países subdesenvolvidos, cenário de guerras civis ou tribais.

O que me chamou atenção no filme que comentei foi outro aspecto, mais periférico, ao qual nem sei se os próprios produtores do filme se atentaram: em uma das cenas finais, o traficante leva seu irmão para acompanhá-lo em outra entrega de armas na África. Lá, o irmão vê uma tribo negra que será atacada assim que o negócio das armas for fechado pelo traficante. Num ato de heroísmo, pega uma granada e explode metade do carregamento de armas. É morto pelos compradores de armas logo depois. Ao traficante nada acontece, apenas o desconto das armas explodidas por seu irmão no pagamento.

Esse irmão "heróico" é o mesmo que, no início do filme, é obrigado a deixar os negócios do tráfico de armas (do qual participava junto com o traficante) após se viciar em cocaína. Ele já era usuário e, após receber alguns quilos de cocaína de um narco-guerrilheiro na Colômbia, perde a noção e se torna um junkie imprestável. Durante quase todo o filme ele continua viciado e, uma vez reabilitado, realizou a proeza que descrevi no parágrafo anterior.

Ou seja: o viciado em cocaína é aquele que se levanta contra a venda de armas e paga com a vida por isso. Em nenhum momento ele se deu conta de que o traficante de drogas na Colômbia comprou as armas (que ele tanto reprovava) com o dinheiro que ganhou do tráfico. Ele era tão culpado pela morte daquela tribo africana como os militares e seu irmão vendedor de armas.

E o que isso tem a ver com o documentário do MVBill? Tudo. O tráfico só existe porque existe quem usa drogas. Os roubos só existem porque existe o receptador, aquele que compra um CDplayer por R$50,00 nas banquinhas da vida pensando que fez um grande negócio. Quem fuma um baseado ou compra um CD pirata é mais culpado pela morte das crianças nas favelas cariocas ou no centro da África do que qualquer traficante ou governo de qualquer lugar no mundo.

A mesma sociedade que reclama alimenta a criminalidade e a violência. E não adianta culpar ninguém que não os financiadores da violência.

A responsabilização coletiva, que coloca a coletividade como uma entidade ausente, "as gentes", como diria Ortega y Gasset, nada mais é do que um esconderijo para as fraquezas individuais. O crime organizado é, em sua essência, um comércio como qualquer outro, que vive das leis de mercado. O traficante de drogas atende a uma demanda por drogas. O traficante de CD piratas, demanda por música barata, etc.

O que alimenta esse comércio são seus consumidores. Pelo aspecto inverso, para consumirmos o que a industria do crime tem a oferecer temos que se aceitar a existência do estabelecimento criminoso, com suas regras que incluem a morte de crianças. Só que com isso nós perdemos o direito de ficar chocados ao ver documentários como "Falcão" ou de nos revoltar contra homens como "O senhor das armas".

3 Comments:

Anonymous Anônimo said...

hello, primo!!!!!!
achava que tinha abndonado o blog!!!
mas voltou com td!!!!!
parabens pelo texto, concordo totalmente!
é bem óbvio e simples, não sei pq ninguém vê isso!
bjos!!!
ah! dia 22 tem festa da tia nitinha!

1:03 AM  
Blogger Miss Mingal said...

Então... vc acabou culpando a sociedade!

1:53 AM  
Blogger Rafael Pereira said...

Sim, a sociedade, mas não como um ente distante, impessoal... a sociedade são as pessoas. todos os idiotas que colocam R$5,00 num baseado são culpados pela morte de crianças. Não, como diz o senso comum, a sociedade que não se interressa, que não participa, que precisa de ONG's pra diminuir seu senso de culpa.
A sociedade é só um conjunto de indivíduos, capice? O texto trata, antes de tudo, de responsabilidade individual.
Salute!

11:49 AM  

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